Algumas semanas atrás, Steven Gerrard fez uma aparição surpresa em uma transmissão de caridade do The Redmen TV em apoio ao Zoe’s Place Baby Hospice. Foi um gesto adorável da lenda do Liverpool para reforçar uma causa tão importante. Sua participação, sem dúvida, aumentou o número de visualizações e, com isso, as doações. Gerrard até brincou, pedindo aos espectadores que o ajudassem a arrecadar mais dinheiro durante sua presença no programa do que o convidado anterior – seu ex-companheiro de Liverpool, Jamie Carragher.

No entanto, foi outra piada que acabou gerando polêmica entre os torcedores do Al Ettifaq, clube que Gerrard atualmente treina.

Ao ser questionado se ele e John Achterberg, ex-treinador de goleiros do Liverpool e agora parte de sua comissão técnica na Arábia Saudita, estavam acompanhando a temporada do time de Arne Slot, Gerrard respondeu em tom de brincadeira: “Eu e John estamos super ligados. Organizamos todo o nosso cronograma em torno dos jogos do Liverpool! Os jogadores até comentam comigo – estamos treinando às nove ou dez da noite!”

Apesar do tom leve, os fãs do Al Ettifaq não gostaram nada da resposta. Para muitos, isso era mais uma prova de que Gerrard não estava levando seu trabalho a sério o suficiente, e, por isso, defendem sua saída na próxima pausa internacional.

Apelo comercial e esportivo

Gerrard foi uma verdadeira conquista para o Al Ettifaq, um clube que, apesar de sua base sólida de fãs em Dammam, não conta com o apoio financeiro do Fundo de Investimento Público (PIF) da Arábia Saudita, diferentemente das tradicionais potências da Liga Profissional Saudita. A contratação de uma lenda da Premier League como Gerrard foi vista como uma maneira de elevar o perfil do clube, facilitando a atração de jogadores e parceiros comerciais — e essa estratégia deu resultado.

Os vastos recursos financeiros da Arábia Saudita têm sido cruciais para a chegada de estrelas estrangeiras, mas foi a presença de Gerrard que ajudou o Al Ettifaq a trazer dois ex-jogadores do Liverpool, Jordan Henderson e Gini Wijnaldum. Ele também teve um papel significativo na contratação de Moussa Dembélé, ex-atacante do Fulham, Celtic e Lyon.

O problema, no entanto, é que Gerrard nunca pareceu totalmente satisfeito com a profundidade de seu elenco — e, aos olhos dos fãs, seu compromisso com o clube tem deixado a desejar. Muitos veem a decisão de morar no Bahrein, em vez da Arábia Saudita, como uma falta de respeito pelo trabalho, pelo clube e pelo país.

Novo contrato chocante

É claro que essa situação talvez não se tornasse tão problemática se o Al Ettifaq estivesse jogando bem e acumulando vitórias — mas, infelizmente, não é o caso. As performances da equipe têm sido inconsistentes, e os resultados, frequentemente decepcionantes.

Depois de um início promissor sob o comando de Gerrard, com cinco vitórias nas primeiras sete rodadas da temporada passada, o time passou por uma sequência de oito partidas sem vencer antes da pausa de inverno, caindo para a oitava posição na tabela da SPL. Por isso, muitos torcedores ficaram surpresos quando o Al Ettifaq decidiu estender o contrato de Gerrard até 2027 em janeiro.

“É uma grande recompensa para mim e minha família, e parece ser um reconhecimento pelo trabalho árduo e dedicação,” afirmou Gerrard na época. “Tivemos que implementar uma nova infraestrutura, como a construção de um centro de treinamento em fases e de um novo estádio. Mas já conquistamos muito.”

Ele acrescentou: “Sei onde estamos na liga, mas estou confiante de que vamos melhorar. A janela de transferências está aberta, e estamos trabalhando para identificar jogadores que possam fortalecer nosso grupo e nos tornar mais competitivos no topo da tabela.”

No entanto, não houve contratações de impacto em janeiro — e nem no verão, aliás. Após outro início forte na campanha atual, o desempenho do Al Ettifaq voltou a despencar.

‘O encanador inglês’

Embora o time de Gerrard não fosse esperado para disputar o título da Pro League nesta temporada, ou mesmo terminar entre os quatro primeiros, a 11ª posição atual é surpreendente.

O Al Ettifaq perdeu quatro dos últimos seis jogos na liga e foi eliminado da King’s Cup nas oitavas de final pelo Al Jabalain, da segunda divisão — uma derrota amarga que intensificou as críticas dos torcedores. Alguns passaram a chamar Gerrard depreciativamente de “encanador inglês” e referem-se ao time como “comediantes” que transformaram o clube em “motivo de riso”.

Nesse cenário, não surpreende que a piada de Gerrard sobre agendar treinos em torno dos jogos do Liverpool tenha sido mal recebida pelos fãs do Al Ettifaq, que agora se sentem decepcionados com um dos técnicos mais bem pagos do mundo.

‘Tudo incluído’

Gerrard, sem surpresa, mostrou-se frustrado com a polêmica gerada por seus comentários e esclareceu que a maioria dos clubes sauditas treina à noite devido ao calor extremo, mesmo durante o inverno.

“Entendo de onde tudo isso surgiu,” disse ele na véspera do clássico contra o Al Qadsiah. “Eu estava participando de um podcast para arrecadar fundos para uma instituição de caridade infantil, ajudando-a a continuar seu trabalho. Perguntaram se eu ainda acompanhava o Liverpool, e eu respondi: ‘Claro que sim’. O Liverpool teve um papel enorme na minha vida, moldando-me como jogador, pessoa e treinador.”

Gerrard continuou: “Quero deixar claro que minha prioridade é o Ettifaq. Tenho um contrato aqui e me sinto em uma posição privilegiada. Respeito todos os meus clubes anteriores — Liverpool, Aston Villa, Rangers e LA Galaxy — mas minha principal preocupação é este trabalho e tentar fazer deste clube o melhor possível, dentro e fora de campo. Estou totalmente comprometido e continuarei comprometido.”

Ainda assim, sua declaração fez pouco para acalmar os torcedores, e as tensões chegaram ao auge no dia seguinte, quando Gerrard foi vaiado após a derrota por 2 a 0 para o rival local.

‘Situação constrangedora’

Apesar das ligações irritadas de torcedores pedindo sua saída, Gerrard adotou um tom desafiador em sua coletiva de imprensa pós-jogo, defendendo que seu time merecia um resultado melhor na partida.

“Conversei com os jogadores. Se tivéssemos jogado assim antes, não estaríamos nessa situação embaraçosa,” afirmou. “Mas assumo a responsabilidade. Com os resultados recentes, na minha posição, você sempre se depara com a decepção dos fãs, e é minha responsabilidade lidar com isso. Vou continuar lutando e trabalhando para melhorar os resultados.”

Claramente frustrado, Gerrard considerou algumas das críticas injustas e reagiu ao crescente descontentamento recusando-se a participar das entrevistas com a mídia antes do próximo confronto da Gulf Club Champions League contra o Al Qadsia.

Sem brincadeira

Felizmente para Gerrard, o Al Ettifaq venceu no Kuwait com um gol solitário de Dembele, o que lhe garantiu algum tempo, mas provavelmente não por muito.

Uma derrota quase certa contra o líder invicto da Pro League, Al Hilal, colocaria Gerrard em uma posição muito delicada ao entrar na pausa internacional — o momento ideal para uma troca de treinador, caso o clube decida que já é o suficiente.

Gerrard dificilmente poderá reclamar se for demitido. Seu status no futebol lhe concedeu muito mais tempo do que um técnico menos famoso teria recebido no Al Ettifaq. No entanto, ele não fez nem de longe o suficiente para restaurar a reputação que construiu no Rangers como um treinador promissor, cotado para substituir Jurgen Klopp no Liverpool. Como resultado, Gerrard nem sequer esteve na corrida para assumir o comando dos Reds ou substituir Gareth Southgate na seleção inglesa.

Afinal, Unai Emery ridicularizou sua passagem pelo Aston Villa ao levar o clube de volta à Champions League, enquanto sua experiência na Arábia Saudita acabou se tornando uma piada, o que significa que, em breve, ele não precisará mais se preocupar em agendar treinos para coincidir com os jogos do Liverpool.

Isso, claro, não é motivo de riso para Gerrard, que agora corre o risco não apenas de perder seu emprego, mas também de comprometer qualquer credibilidade restante como treinador.