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Impasse de décadas deixa vestígios na Lagoa Seca

Área verde – vista da mata que forma a chamada lagoa seca, de 25.495m² crédito: Jair Amaral/EM/D.A Press

A Praça da Lagoa Seca é um ponto de referência para o Bairro Belvedere, Região Centro-Sul de Belo Horizonte. A área verde de 25.495 metros quadrados (m²) se tornou local de caminhadas, passeios e treinos para os moradores do entorno. “Aqui é maravilhoso. É muito bom trabalhar próximo ao verde. Meu filho até brinca na lagoa”, conta Camila Roberta de Oliveira, proprietária de uma barbearia de frente para a praça. Por outro lado, há quem não esteja tão satisfeito e reclame de questões como acúmulo de lixo, mau-cheiro, erva de passarinho e falta de manutenção. Na raiz do problema, um impasse de décadas em torno dos papéis públicos e privados na conservação da área, que passa pela história dos loteamentos do bairro e disputas judiciais já esgotadas em todas as instâncias. Para destravá-lo, promotora sugere a abertura de uma mesa de negociação entre os proprietários da área e a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.

“Fizeram uma limpeza outro dia, mas a área está cheia de sujeira. Eles não retiram a sujeira direito, como deveria ser. Não dá pra gente ficar satisfeita com isso”, reclama Maria Suzete, moradora do Belvedere que caminha frequentemente na Lagoa Seca. José Carlos Matos, que mora nas proximidades e caminha com seus cachorros diariamente na praça, considera que o poder público poderia olhar com mais carinho para o local. “Eles deram uma melhorada, uma capinada, porque estava com muito mato. Aqui é muito agradável, mas poderia ser mais bem aproveitado, até com um parquezinho, como outros em BH”, opina.

Quem também frequenta a Lagoa Seca diariamente é a moradora Yara Prince. Segundo ela, a situação do lugar não combina com o bairro: “Fico muito triste ao ver a situação da lagoa. Ela parece abandonada, quando chove fica toda suja, tem o problema da dengue”, diz. “Eu questiono: Cadê as autoridades? Cadê a prefeitura? É uma área muito bonita, mas abandonada”, completa.

bacia de acumulação

Após o loteamento das áreas denominadas Belvedere I e II, a Sociedade Belver Ltda. firmou um acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) em 1980, se responsabilizando por executar obras do trecho de rede pluvial no trecho onde hoje se encontra o Belvedere III, a fim de viabilizar o loteamento da então chamada “Gleba da Harpa”.

Com isso, ficou estabelecido que a sociedade se comprometeria a não implantar quaisquer loteamentos nos terrenos situados entre a Gleba da Harpa e o BH Shopping, que deveriam ser mantidos como bacia de acumulação, até o remanejamento da galeria pluvial do shopping.

Entretanto, a obra nunca chegou a ser concluída, e o terreno passou a ser conhecido como Lagoa Seca, pois mesmo quando o local acumula água de chuva, ela rapidamente é escoada. A bacia contribui para o aquífero que abastece o Córrego do Cercadinho, manancial da Copasa que serve toda a região.

Por se tratar de uma grande área verde na cidade onde não é possível fazer construções e que serve para fins públicos, a Associação Amigos do Bairro Belvedere (AABB) fez um acordo com o município, no qual ficou estabelecido que a manutenção da lagoa seria feita pela Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap). No início, segundo a entidade, o trabalho foi feito corretamente, mas com o passar do tempo não mais.

De acordo com Ubirajara Pires, presidente da AABB, os donos da área da Lagoa Seca têm interesse em doar o terreno para a PBH, passando, assim, a responsabilidade pela manutenção do local para o município. Porém, ainda segundo ele, a prefeitura exige o pagamento do IPTU do local, que não foi quitado ao longo dos anos.

DIVISÃO DE RESPONSABILIDADES

Atualmente, a Sudecap realiza duas manutenções por ano na Lagoa Seca, o que é considerado insuficiente por Ubirajara: “Só chove duas vezes por ano? Só cai folha duas vezes por ano?”, questiona o presidente. Ele afirma que todas as árvores que se encontram na área da praça – entre elas, pau-brasil, jamelão, cedros e ipês – foram plantadas pela associação de moradores no início dos anos 2000. Hoje, elas sofrem com ervas-de-passarinho, plantas parasitas que podem causar prejuízos ao crescimento da árvore hospedeira e até levá-la à morte.

Segundo Ubirajara, a Sudecap teria ido ao local mas, até 24 de outubro, havia retirado apenas parte da erva de passarinho, que já matou cerca de 30 espécimes. Além disso, o presidente relata que a AABB contrata um funcionário que faz a manutenção e limpeza do entorno da praça de domingo a sexta-feira, para que a região fique em ordem para os frequentadores.

REUNIÃO COM A PBH

Os moradores do Bairro Belvedere pediram uma reunião com órgãos competentes para apurar a falta de manutenção da bacia de retenção da Lagoa Seca. Eles reclamam de um possível lançamento de esgoto irregular no local, causando mau cheiro. O encontro foi realizado em 2 de outubro e reuniu a associação de moradores, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a Copasa, a Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smobi) e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA).

A Copasa informou que a rede coletora de esgoto funciona normalmente. O problema seria a utilização inadequada dessa rede por parte de moradores. A empresa alega que, por não ter poder de polícia, não está apta a aplicar sanções aos imóveis sem conexão correta à rede. Disse ainda que fez um levantamento técnico em 24 de setembro e não identificou lançamento irregular de esgoto na lagoa. A Smobi, por sua vez, alega que oferece os cuidados necessários, mas que há limitação para atuar em determinados pontos, uma vez que a lagoa é uma área particular. Ao final da reunião, ficou acordado que será verificada a possibilidade de a Smobi fazer uma vistoria nas redes de drenagem pluvial que direcionam a água para a lagoa, a fim de verificar se há lançamento de esgoto irregular.

MESA DE NEGOCIAÇÃO

Diante das dificuldades de atuação do município na área, a promotora Luciana Ribeiro da Fonseca, da 16ª Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, oficiou a Procuradoria Geral do Município para se manifestar sobre a possibilidade de regularização da situação jurídica da lagoa, que passaria a pertencer ao município. Ela frisa que não foi uma recomendação formal.

Segundo a promotora, em junho de 2004, foi ajuizada uma ação de desapropriação indireta, com pedido de indenização, pelos loteadores e proprietários da área. A ação foi julgada improcedente e transitou em julgado em 20 de outubro de 2022, não havendo, portanto, a possibilidade de o assunto ser discutido judicialmente novamente. Luciana explicou que quando houve o loteamento, na década de 1980, os empreendedores firmaram o compromisso de não utilizarem a área da lagoa até que o remanejamento da rede fosse concluído. Porém, o acordo não foi cumprido.

Os empreendedores alegaram que o remanejamento seria inviável economicamente. Na sentença de 1ª instância, o juiz da 5ª Vara da Fazenda Pública Municipal, determinou que a lagoa deveria continuar sendo usada como bacia de retenção até que os empreendedores fizessem o remanejamento. O problema é que a área ainda pertence aos empreendedores.

A solução para o caso seria um acordo entre as partes para transferir a titularidade. “A princípio, acho que seria uma mesa de negociação para que haja essa regularização, de acordo com o que é. Atualmente, o local desempenha várias funções socioambientais, entre elas, praça e bacia de acumulação de cheias”, diz a promotora.

Com a regularização, os órgãos do município poderiam atuar, adequadamente, no local. De acordo com a promotora, no prazo estabelecido, não houve resposta da PBH e o ofício que foi expedido para a Procuradoria Geral do Município está sendo reiterado. Se o Executivo Municipal responder que está de acordo, será marcada uma reunião com os proprietários para definir como se daria o tratado.

O QUE DIZ A PBH

O Estado de Minas entrou em contato com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) para saber se a administração municipal tem interesse na regularização jurídica da lagoa. Por meio de nota, a PBH informou que “até o momento, não há nenhum processo oficial de doação ou desapropriação da área para o município”.

No texto, a Subsecretaria de Zeladoria Urbana (Suzurb) esclarece que, “não obstante a área da Lagoa Seca do Bairro Belvedere ser um terreno particular, a manutenção é feita regularmente pela administração pública municipal com os serviços de limpeza manual da área e desobstrução de canais do reservatório, além da roçada em toda a bacia de detenção, com desobstrução do vertedouro do reservatório”.

A nota detalha ainda que uma manutenção foi realizada no local em maio de 2024 e outra teve início no fim de outubro. A Suzurb informa também que entre 5 de setembro e 3 de outubro foram executados os serviços de podas das árvores nas vias do entorno.

Além disso, em 24 de setembro, representantes da Copasa, SLU e Suzurb/Smobi vistoriaram conjuntamente o local para verificar questões relacionadas à rede de drenagem pluvial que capta e direciona águas provenientes das chuvas, constatou que a rede local recebia água não proveniente da chuva, já que a visita técnica foi feita em período de longa estiagem.

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