Health

A era das grandes patentes está acabando

A inovação das patentes pode refletir em tratamentos mais igualitários e proteger o acesso à saúde

medicamentos genéricos
Articulista diz que a promoção da concorrência por meio de genéricos e similares não beneficia só os sistemas de saúde, mas também oferece aos pacientes uma segunda chance de tratamento acessível

Reprodução/Agência Brasil

Reginaldo Arcuri8.nov.2024 (sexta-feira) – 6h00

Hoje, é cada vez mais difícil as indústrias farmacêuticas apostarem em um único medicamento, mesmo com uma patente forte, os chamados blockbusters de patentes. Isso porque, depois da proteção expirar, outros laboratórios podem produzir versões genéricas e similares, vendidas a preços menores, o que amplia e democratiza o acesso à saúde.

Será que é um indício de que a era das grandes patentes estaria chegando ao fim?

De início, é importante esclarecer o que é uma grande patente. Um blockbuster é um produto que fatura vendas anuais expressivas, muitas vezes na faixa de bilhões de dólares. São medicamentos de peso no mercado e que puxam para cima o faturamento e o lucro da detentora da patente. 

Dentre os exemplos, estão medicamentos para o tratamento de doenças crônicas, como hipertensão, diabetes e colesterol alto. Além de terapias para doenças mais complexas, como HIV e câncer.

O auge das grandes patentes ocorreu principalmente de 1980 a 2000, quando farmacêuticas investiam pesado para desenvolver medicamentos revolucionários, que acabaram se tornando blockbusters.

No entanto, mudanças no mercado farmacêutico impactaram esse modelo de grandes patentes, em parte, graças ao fortalecimento dos genéricos e similares. Quando a patente de um medicamento expira, normalmente depois de 20 anos, outros laboratórios podem produzir genéricos e similares, que são vendidos a preços mais baixos. 

A Lei dos Genéricos, por exemplo, obriga que o medicamento seja pelo menos 35% mais barato que o produto de referência. Atualmente, cerca de 70% das unidades de medicamentos vendidos no Brasil são genéricos e similares (43,0% genéricos e 26,5% similares), segundo dados do anuário estatístico de 2023 da Cmed (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos). A nível internacional, a OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que o uso de genéricos em países de baixa e média renda pode reduzir em até 90% o custo de tratamentos essenciais.

Ou seja: essa nova realidade traz enormes e inquestionáveis benefícios à promoção da saúde pública. Medicamentos genéricos e similares contribuem diretamente para a redução dos gastos do sistema público de saúde, permitindo que governos adquiram mais medicamentos a um custo menor, ampliando o atendimento a uma parcela muito maior da população. 

Há uma demanda crescente por democratizar o acesso a medicamentos. Governos, planos de saúde e pacientes estão sempre pressionando por preços menores, o que também dificulta a obtenção de lucros exponenciais com um único medicamento, e cria um ambiente propício para o aumento da oferta de genéricos e similares.

Em um país em que a saúde é um direito fundamental, disposto na Constituição, a transição da exclusividade para a competição de mercado é fundamental. Incentivar a inovação, ao mesmo tempo em que se garante acesso aos tratamentos, é um dos maiores desafios das políticas públicas de saúde. A promoção da concorrência por meio de genéricos e similares não beneficia só os sistemas de saúde, mas também oferece aos pacientes uma segunda chance de tratamento acessível.

No final, um sistema justo é aquele que equilibra a proteção à propriedade intelectual com o acesso à saúde. Mais que nunca, precisamos assegurar que a inovação continue a salvar vidas, mas que, uma vez expirada a patente, os tratamentos sejam distribuídos de forma equitativa, garantindo que todos tenham direito ao melhor cuidado possível.

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