Episódio explica as barreiras para que famílias consigam acessar o tratamento com órtese craniana pelo SUS
Neste episódio, quinto e último, da série sobre assimetria craniana, a Itatiaia busca respostas para entender porque o tratamento da doença ainda não foi incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Para o doutor Marcelo Ares, médico fisiatra, porta voz e coordenador da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) a chave é a informação.
“Tudo começa com a informação. A AACD é uma prestadora de serviço para o SUS. Ela realiza atendimentos e faz equipamentos que estão na lista e no acordo de um contrato dela com o SUS. Quanto mais se divulga o diagnóstico, mais se sabe das consequências dele, os serviços públicos, o olhar público e governamental vai ter uma atenção maior e, assim, pode estudar a entrada desse procedimento no seu rol”, detalha.
A reportagem da Itatiaia procurou o Ministério da Saúde para saber se há dados sobre os casos de assimetrias cranianas infantis no Brasil, e para saber se há previsão de algum treinamento para os pediatras que atendem pelo SUS. Além disso, por fim, questionar se há perspectiva de incluir no rol de tratamento o oferecimento dessas órteses.
Em nota, o SUS respondeu que, atualmente, a entidade produz e oferece gratuitamente coletes, palmilhas, calçados ortopédicos, cadeiras de rodas adaptadas, bengalas, muletas, andadores, aparelhos que corrigem alterações auditivas e diversos dispositivos para pessoas com deficiências físicas e de outros tipos. Não houve uma resposta sobre as órteses cranianas, e nem sobre o tratamento da assimetria pelo SUS.
De acordo com dados do sistema de informações ambulatoriais e hospitalares, no primeiro semestre de 2024, foram registrados 366 atendimentos ambulatoriais e 9 atendimentos hospitalares relacionados à assimetria craniana no Brasil.
A Sociedade Brasileira de Pediatria também foi procurada sobre dados da incidência de assimetria craniana em bebês. A reportagem questionou se há alguma orientação específica aos profissionais para ajudar no diagnóstico precoce, e sobre a posição da entidade em relação à cobrança feita por pais e especialistas para que o tratamento com a órtese, o “capacetinho”, seja incorporado pelo SUS. Não houve resposta aos questionamentos.
Se, por enquanto não há, ao que tudo indica, mobilização do poder público para uma mudança nas normas do tratamento das assimetrias cranianas, o advogado, mestre e professor universitário Bruno Borges Magalhães indica que a solução pode vir a partir da ação popular, como uma forma de pressionar a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula os planos de saúde no Brasil.
“O desenvolvimento social é mais rápido que a lei. Os tratamentos mudam dia a dia, a medicina evolui muito rápido. A partir do momento que isso for regulamentado pela ANS, de forma clara, aí não tem como plano de saúde negar esse tratamento”, defende.
O advogado Alexandre Musa acredita que a própria justiça pode pavimentar a questão em breve e espera que os planos de saúde se sensibilizem. “Há uma expectativa de que avolumando-se o número de processos, o Poder Judiciário fixe teses em determinados procedimentos que vão ser obrigatórios para todo o judiciário. Há até uma esperança, também, de que os próprios planos, sensibilizados, vejam, primeiro, que a gente está tratando de bebês. Não há qualquer lógica em se submeter um bebê a uma cirurgia, porque não prestar um tratamento que é mais barato que a cirurgia? Eles veem isso de uma forma que seja, até financeiramente, mais interessante para eles”.
É importante reforçar que o tratamento com a órtese craniana deve ser feito sempre com a indicação médica, como destaca a pediatra Nara Faria. “Ele (o tratamento) não é livre de efeitos colaterais. Ele vai esquentar, ele pode gerar dermatite. Então tem que ser não só o pediatra, mas um neurologista ou fisioterapeuta. A indicação tem que ser muito pontual e muito bem definida”, orienta.
A pediatra Bruna Fabri, que desde 2021 trata de crianças com assimetria craniana, na clínica Baby Helmet, em Belo Horizonte, tem um recado para as mães: “mamãe, você não é doida. Não é coisa da sua cabeça. A assimetria craniana existe, ela é real. Se você notar qualquer mudança no formato da cabeça do seu bebê, procure um especialista o mais rápido possível, principalmente se o seu bebê tiver alguma preferência de lado. Você pode prevenir a assimetria, prevenir que seu bebê tenha problemas no futuro. Outro recado importante: mude seu bebê de posição, sempre alterne a posição do seu bebê”.
Rafaela Assis, que participou do segundo capítulo, conta que conta o tratamento do pequeno Noah de 8 meses, já tem dado resultado. “Atualmente, o Noah está com 8 meses e ele está fazendo tratamento com órtese craniana, que vai terminar ali por volta de um ano, um ano e um mês. Graças a Deus está evoluindo muito. Estamos buscando bons profissionais na área de fisioterapia, para que ele possa desenvolver motoramente, de acordo com a idade dele”, relata a mãe.
O Luiz Gustavo, filho da outra mamãe ouvida na nossa reportagem, a Júlia Neves, já se tratou. Hoje, aos seis anos, tem uma vida completamente normal. Ela olha pra trás feliz por não ter acreditado que era coisa da cabeça dela, e espera mudanças para que a assimetria craniana seja levada a sério.
Ouça a reportagem completa:
“Hoje eu olho para trás e eu fico feliz de saber que nós conseguimos passar por cima de tudo isso. Eu tenho certeza que eu já ajudei muitas crianças, outras famílias, com o relato que eu vivi com o meu filho e eu espero que essa matéria, esse alerta ecoe tão alto que faça os planos de saúde, os responsáveis, entenderem que é algo de saúde mesmo, é saúde pública, não é estético”, pede.
O espaço segue aberto para todos os citados nesta reportagem se manifestarem.